segunda-feira, 24 de março de 2008

Há dias assim

A Páscoa passou por cá, deixando umas gripes, frio, doces, vontade de dias mais quentes e alegres, vontade de ser espiritualmente mais forte, e o que mais se quiserem lembrar para compor este ramalhete.

Mas a pobreza quer de espírito, quer monetária, mantêm-se inalteradas e até talvez aumentadas. Nestas últimas semanas, tenho-me cruzado na Linha Vermelha do Metro com uma personagem que me faz pensar 2 vezes sobre aquilo que tenho e que muitas vezes pouco valor dou.

Por volta das 19h, lá vem um mendigo maltrapilho sempre em direcção à Gare do Oriente, com os seus sapatos de cada modelo, 5 ou 6 peças de roupa vestidas de forma a tentar cobrir o frio, e um ar velho e desiludido. Senta-se sempre no mesmo banco, como se estivesse cativo, carruagem do meio, junto à porta do meio, no sentido contrário da composição e sempre virado para o corredor, como se ao mesmo tempo tivesse consciência da repulsa que causa em todos os que pensam em se sentar perto dele.

Há no entanto algo de curioso neste mendigo: passa a viagem toda a ler um qualquer jornal gratuito que tenha conseguido por aí. Como acredito que a vida não lhe tenha sido sempre madrasta, será que um dia já teve um emprego estável e terá tido uma boa educação? Será que já foi um qualquer integrante de uma família de classe média que se viu metido numa espiral de desespero por algum motivo que a todos escapa? Ou terá sido abandonado, como tantos velhos o são neste País, após os mais próximos lhe terem sugado o dinheiro todo?
Não sei, e duvido que alguma vez venha a saber, mas apesar da sujidade, das roupas velhas e rasgadas, noto que houve ali em tempos alguma dignidade. Qual terá sido o dia ou dias que lhe ditaram esta sorte madrasta?

Ele com certeza terá alguma dificuldade em sentir-se bem com a Páscoa, o Natal, ou qualquer outra festa religiosa, e terá provavelmente alguma dificuldade em acreditar em Deus ou qualquer outra entidade em que acreditamos que nos possa dar uma vida melhor. Mas quero acreditar que um dia já foi feliz! Há dias assim, de felicidade, e todos os merecemos, pois caso contrário a vida deixa de ter qualquer sentido.

Que a Suburbia com a sua indiferença o proteja, e lhe mantenha a pouca dignidade que lhe resta, nem que seja para morrer em paz. Enquanto isso, lá estará ele na Linha Vermelha do Metro, para nos recordar de onde ainda podemos chegar. Afortunados aqueles que sabem como ajudar honestamente pessoas que atingem este grau de pobreza, tornando-lhes a vida menos difícil. Não faço parte desse grupo, mas respeito quem tem essa coragem.

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